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  • Foto do escritorGlauco Castro

o que ela não contava - 3



Capítulo 3


Foram voltas e voltas pelos enormes corredores do shopping, entradas em lojas sem nada comprar, conversas sobre amenidades entre mãe e filha para, finalmente, sentadas à mesa para um café, falarem o que realmente queriam falar uma à outra.

- Está cada vez mais complicado, mãe. Por mais que eu me desdobre, nunca está bom. Sei que isso é comum com o tempo após a chegada dos filhos, mãe reclamar de seu relacionamento, certo esfriamento na relação e foco na família, mas sinto que não é só isso. Já estava diferente antes das meninas nascerem e eu não queria admitir. Você e meu pai também tiveram seus momentos difíceis, mas superaram sempre. Juntos há quarenta anos, não é isso?

Irma não falou assim que a filha terminou. Nesses segundos que precederam sua resposta, pensou na vida. Em tudo que abriu mão para que estes quarenta anos fossem hoje, realidade. Também poderia ter pensado nos momentos bons que tiveram. Mas os ruins superaram extremamente os bons. Se contasse à filha exatamente da forma que tudo ocorreu, tudo o que esses quarenta anos representou, nesse momento, não a ajudaria em nada.

Preferiu amenizar.

- Filha, todos os casais passam por altos e baixos. Comigo e seu pai não é diferente, temos nossos momentos difíceis. O encanto não dura para sempre, as paixões se acomodam, dando lugar a um companheirismo, amor. A vida a dois não deixa de ser uma negociação, filha. Uma boa negociação, onde seu sócio é a pessoa que você escolheu para viver. Com o tempo, aprenderá a lidar com essas crises da maneira que mais lhe convier. E tudo voltará a ficar bem.

Maria Fernanda estranhou. Ilma não era de ser direta, e não o foi, mas normalmente falava de forma vaga, romântica, até utópica.

Desta vez, por mais que tenha usado certos clichês, demonstrou certo ceticismo. Até certa frieza. Deve ser um dos tais momentos difíceis, pensou.

E continuaram o passeio.

* * *

- Espero que tenham entendido! Ou se viram para dar o melhor de si, ou é olho da rua! Não estão aqui para pensar e sim cumprir minhas ordens! Estamos entendidos?

Sob uma mistura de olhares raivosos, incrédulos e assustados, André encerrou a reunião. Péssimos resultados, péssimas pessoas, péssimo ambiente. Era o que pensava. Faltava-lhe somente a humildade suficiente para cogitar péssima liderança.

Quando sua jovem assistente entrou na sala, todas as pessoas já haviam deixado o lugar, pois queriam sair rápido dali.

- André, sua próxima reunião é somente após o almoço e é externa. Será que poderia me dispensar no período da tarde? Surgiu um imprevisto e preciso resolver.

Já passava das onze horas. Não teria problema, mas ele teve uma ideia melhor.

- Sim, claro. Por que não almoçamos juntos, então? Assim, de lá você vai resolver o que precisa e eu vou para minha reunião. Que tal?

Não era comum este tipo de convite da parte do chefe, e Clara viu como uma oportunidade de se aproximar para causar uma boa impressão, em um ambiente mais informal. Aceitou.

Desceram juntos ao estacionamento do edifício, no subsolo, para pegarem o carro de André e foram almoçar.

* * *

Ao acordar assustada, Thay percebeu quanto o pesadelo que teve foi horrível. Acordara suada. Era para dar uma cochilada de uma hora, no máximo. Passaram-se quase três. Não estava atrasada. Ainda. Mas agora era se arrumar do jeito que dava pois o almoço estava marcado para meio-dia. Normalmente eram duas horas para se arrumar. Porém, sua companhia era pontual. Levantou-se correndo e partiu para o banho.

* * *

A cirurgia durou mais que o esperado. Quatro horas. O importante é que foi mais uma de sucesso absoluto – pensou Dr. Nelson. Porém, agora era se apressar para o compromisso no almoço, pois havia trânsito e o restaurante não era próximo. Retirou o jaleco e apetrechos e foi em direção ao estacionamento do hospital.

* * *

- Sabe, Clara, mesmo com toda a minha experiência, tenho algumas dificuldades na gestão de pessoas – a cara de André ao confidenciar à assistente tal sentimento, era de uma calma e um ar quase doce. No fundo, não era o que pensava, mas sabia o impacto que frases como essa causava. E pela forma que Clara recebeu o comentário, percebeu que acertara na boa impressão. E continuou.

- No entanto, eu sei que o conhecimento, estudo e com a ajuda da excelente equipe que temos, conseguirei melhorar nesse quesito. Agora, quem dera em casa ser a mesma coisa, não é? Poder ler um manual de como proceder frente aos conflitos do dia a dia no... casamento, por exemplo. E com você, como é?

Clara corou levemente. Por mais que desejava se aproximar e aceitou o convite informal do almoço, não esperava uma conversa com esse nível de intimidade. Decidiu se deixar levar e ver onde daria.

- Bem, eu não sou casada, embora tenha um relacionamento de quatro anos. Também sou mais nova, não tenho tanta experiência como você. Creio que não haverá em nenhum momento um manual de instruções para qualquer tipo de relacionamento, seja pessoal ou profissional. Eu acredito no respeito ao outro. É por aí que me direciono.

- Clara, tão jovem e já com esse nível de maturidade – André não conteve o comentário, corando novamente o rosto de Clara. E continuou dizendo o quanto estava complicado em casa, contando como Maria Fernanda, sua esposa – que Clara já a havia visto na empresa – estava distante, ocupada com as responsabilidades de mãe. Por mais que ele providenciasse todas as condições para que ela ficasse bem, como empregada diariamente, babá, até mesmo uma mesada mensal para que não se sentisse dependente, ela não estava feliz, ele percebia.

- E o que você está fazendo a respeito, André? – perguntou, já que o papo estava nesse nível de abertura, com um certo ar desafiador.

- Como assim, o que tenho feito? Acabei de dizer. Sou presente, pago todas as despesas, foco na empresa para que ela cresça e progrida financeiramente, sou um pai que ajuda com as crianças, um marido fiel, provedor do lar. Dou todo o conforto para que ela não precise trabalhar e possa focar cem por cento em ser mãe. Afinal, é o maior desejo de uma mulher, não é? Olha, se preciso fazer mais alguma coisa, ainda não descobri.

Clara o olhou... pensou... e deu um sinal positivo com a cabeça. Não estava a fim de seguir no assunto, e, por hora, somente agradeceu por seu namorado pensar de outra forma.

Continuaram o almoço falando de amenidades e da empresa, e cada um seguiu para seu compromisso.


* * *


Quando Thay chegou ao chique restaurante, já havia alguém a esperando. Sentou-se à mesa, sorriu, e começaram a conversar. Dez minutos depois, Dr. Nelson entrou, sentou-se à uma mesa no canto, a de sempre, e chamou o garçom para fazer seu pedido. De onde estava, podia visualizar praticamente todas as mesas do restaurante.

* * *

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